Três histórias interligadas pelo amor incondicional entre mãe e filho. As lições e ensinamentos repassadas ao longo dos anos pelas progenitoras moldaram o caráter de cada indivíduo.
Honestidade, trabalho e cuidado com as pessoas foi o que Maira Maria Zanandrea, 57 anos, aprendeu com a mãe, Maria Anelita Bianchi Zanandrea, 83 anos. “Minha mãe foi uma mulher muito sofrida na vida. É uma guerreira, tem muita força e é uma mãe exemplar. Carregou o sofrimento, as alegrias e construiu uma família”.
Saída de casa
A cabeleireira relata duas lembranças vividas com a mãe que a deixa emocionada, mas reforça o sentimento de amabilidade e de poder abraçá-la todos os dias nas idas e vindas do trabalho. A última de quatro irmãos a sair de casa, viu a tristeza no olhar da mãe no instante em que fez a mudança para sua nova moradia. “Veio a camionete na casa da minha mãe para carregar meu enxoval. Ela estava sentada na caixa de lenha que na época se escolhia o arroz. Eu disse: ‘Mãe, estou levando as minhas coisas’. Ela baixou a cabeça e não falou nada e nem me ajudou a carregar, apesar que eu iria morar a 500 metros longe dela”.
Recipiente quebrado
O desânimo bateu, mas Maira encontrou determinação no sonho de construir a sua vida. Essa não é a única recordação capaz de marejar os olhos da mulher. “Eu já era casada, trabalhava no comércio e um dia ela (mãe) me deu comida para levar pra casa em um recipiente de vidro e no outro dia de manhã eu devolvi. Como minha mãe não estava em casa, deixei a vasilha na janela. Quando ela voltou, abriu a janela, não viu a travessa e quebrou”.
Maria Anelita tinha uma paixão pelo objeto, pois era de sua falecida mãe. “Deixei num lugar inadequado e aquele pirex quebrou. Ela me xingou, porque eu não esperei para dar em mãos. Aquilo me magoou”.
Desculpa
Como todos os dias Maira passava na casa da mãe, no outro dia ela passou direto. “Ela viu que eu não parei. Talvez ficou arrependida do que falou e veio ao comércio onde eu trabalhava comprar um quilo de sal. Arrumou uma desculpa pra vir me ver e eu a atendi como se fosse uma estranha. Tratei ela com frieza. Até hoje eu me arrependo disso”.
Maira não entendeu sobre o significado sentimental que o recipiente representava. Era uma herança para Maria Anelita. “Quando fui embora ela me atacou e disse: ‘Maira, porque você fez isso comigo?’ Nos abraçamos e começamos a chorar”.
Mais próximos
O empresário, Lucas Dallbosco, 33 anos, demonstra o carinho que sente pela mãe Geni Beltrame, 66 anos. Desde criança, ele viu quem mais amava perder os movimentos do corpo devido a um tumor na cabeça. “Até os nove anos eu me lembro bem dela normal, depois ela ficou acamada. Mesmo com os problemas, sempre foi guerreira. Criou todos nós, eu e mais dois irmãos, com maior educação, carinho e amor”.
Trocaram o interior pela cidade de São João da Urtiga. Lucas ainda era criança quando optaram pela mudança para facilitar os cuidados com Geni.”Sempre que deu os problemas com ela era eu que estava junto. Temos uma ligação, até no cuidado, sou mais apegado a ela”.
Incidente
Uma memória de infância ainda está viva na mente de Lucas. “Eu era pequeno, estava jogando futebol. Dei um balão e a bola caiu na cabeça”.
Geni tinha feito uma cirurgia de retirada de um tumor. A região estava sem uma parte do osso e com o impacto acidental da bola, ela acabou perdendo os movimentos do corpo. “Depois disso ficamos mais unidos ainda. Como era inocente ainda, aquela imagem ficou gravada”.
O incidente resultou em uma união e cuidado maior entre mãe e filho. “Hoje estamos mais próximos ainda. Todo dia nos vemos, eu vou lá visitá-la. Meu filho fica quase o dia inteiro com ela. Aproveitar cada momento é único”.
Lucas só tem a agradecer pelos aprendizados recebidos do afeto materno. “Não tem explicação o que uma mãe representa para nós filhos. Ter ela conosco é sensacional”.
Por um bem maior
A doença de Alzheimer foi avançando até que Jandira Foiatto Bortoli, 79 anos, precisou de alguém ao seu lado o dia todo. A filha mais nova, Vanderléia Bortoli Balzan, 47 anos, se prontificou para para atender a mãe. Ela retornou de Farroupilha, onde morava há cerca de 20 anos, e construiu uma casa próxima dos pais para cuidar inteiramente de Jandira.
“Não tinha condições só o pai ficar cuidando da mãe, devido a doença que foi se agravando. A mãe não conseguia mais lidar com comida, deixava o fogão a gás aceso, esquecia muitas coisas, não sabia mais onde estava. Ia para a cidade e não sabia as ruas, onde estava ou o caminho de volta”, relata.
Retorno
Então, Vanderléia conversou com a irmã mais velha, Loreneis Bortoli Grando, 54, e decidiram que a caçula voltaria para São João da Urtiga com o esposo. “Ele aceitou, alugamos nossa casa lá, vendemos nosso negócio, tínhamos uma lavagem de veículos, saímos dos nossos empregos e viemos nos adaptar. Construímos uma pequena casa ao lado dos nossos pais com passagem interna”.
De acordo com a dona de casa, a correria diária de trabalho e estudo dificultou a transição, mas precisava “vir por um bem maior, a saúde dos meus pais e isso me satisfez, porque quando voltei para cá eu consegui estabilizar um pouco a mãe”.
Exercícios
Faz 12 anos desde o seu retorno, nos primeiros 18 meses ela conseguiu levar a mãe nas atividades sociais. “Conseguimos fazer academia juntas no CRAS, eles me liberaram e eu ia toda a segunda-feira com ela. Com isso a doença deu uma desacelerada. Fizemos isso por um ano e meio. Depois, com o Alzheimer trouxe o Parkinson, atacou as articulações e começou a perder os movimentos. Foi aí que iniciou a vida mais caseira, não deu mais pra sair tanto com a mãe”.
Última viagem
Jandira está acamada há sete anos, mas Vanderléia ainda guarda vivo na lembrança os momentos alegres com a mãe. Ela recorda da última viagem que fizeram. Na época decidiram trocar a festa de 50 anos de casados dos pais, pois a mãe não estava conseguindo andar, por uma visita aos parentes paternos no Paraná.
“A mãe estava bem limitada, já estava usando fralda e estava naquela transição de não aceitar usá-la. Fomos pela fé”.
A viagem foi uma das últimas oportunidades de “saída” antes da doença se generalizar.
Nova rotina
Vanderléia deixou em segundo plano tudo o que construiu junto com o marido, para dedicar cuidado, atenção e carinho para quem ensinou o sentido de cada uma dessas palavras. Todo segundo vivido ao lado da mãe gostaria de ser repetido milhares de vezes. “Todo dia eu aprendo com ela, consigo me comunicar com a minha mãe. Muitos me perguntam se eu tenho certeza que ela me entende. Sim, eu me entendo com ela. Antes de perder totalmente a fala, ensinei-a piscar. Se te conhece, ela vai piscar, caso contrário não. É uma ligação forte que temos ainda”.
“Eu faria tudo de novo”
Vanderléia não pode gerar uma criança, mas sente no coração o poder de ser filha e mãe ao mesmo tempo. “Considero minha mãe como se fosse um pouco a minha bebê”.
O desejo e a mensagem transmitidos são sinceros. “Quero o melhor para ela e que não sofra. Eu faria tudo de novo. Preferi largar minha vida e voltar para cá antes de levar ela numa casa e ser cuidada por outras pessoas”.