Quando falamos em Revolução Farroupilha, ou seja, o 20 de setembro, é importante não deixarmos de lado um fato marcante nesta história, ou seja, não podemos esquecer dos Lanceiros Negros e, para tanto, o Jornal Bom Dia procurou o historiador e Mestre em Educação, André Ribeiro para aprofundar mais sobre o tema.
De acordo com André, para entendermos a história dos Lanceiros Negros é fundamental que analisemos o contexto em que está inserida. “Falamos aqui da história da Revolução Farroupilha, revolta ocorrida durante o Império do Brasil por cerca de 10 anos entre 1835 e 1845. Segundo a narrativa tradicional, o movimento começou em protesto aos impostos altos cobrados no charque, no sal e em outros produtos da região Sul, e queria a independência em relação ao governo imperial”, pontua.
Guerra Civil
Cita ainda, o historiador Moacyr Flores, autor de diversos livros sobre a Revolta, frutos de suas pesquisas de mestrado e doutorado que contesta essa versão. “Ele considera a Revolução Farroupilha como uma guerra civil, já que colocou os rio-grandenses uns contra os outros. Foi uma guerra iniciada pelos grandes proprietários rurais, chamados estancieiros. O Império, que já cobrava impostos das propriedades urbanas, decidiu cobrar impostos sobre as propriedades da zona rural“.
Augusto Conte
Reforça, ainda, que a Revolução Farroupilha intentou implantar a República Rio-Grandense que se estendeu de 20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845. Fundamentada em princípios da corrente positivista de Auguste Comte (Liberdade, Igualdade, Humanidade) os estancieiros almejavam romper com o Império do Brasil, embora na prática estes valores positivistas não tenham sido aplicados.
“Para o enfrentamento do exército imperial, os estancieiros rebeldes estruturaram seus próprios exércitos. Aqui podemos destacar três líderes: Bento Gonçalves, Antônio de Souza Neto e David Canabarro”.
As origens dos Lanceiros Negros
André pontua que o historiador Carrion, destaca que a formação das milícias farrapas se dava nas fazendas sob o comando dos estancieiros que arregimentavam os homens livres, equipando-os e remunerando. Eram compostos por brancos pobres, mestiços e índios. Estes grupos já orbitavam no entorno dos estancieiros.
“Como a revolução não teve grande adesão popular, era necessário aumentar o máximo possível os corpos de infantaria. Aqui inicia a história dos negros na Guerra dos Farrapos e mais propriamente a criação do 1º Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negros (12 de setembro de 1836), organizado por Joaquim Pedro, antigo capitão do Exército Imperial”.
Os negros
Os negros que participaram na revolução tiveram três origens, os livres (alforriados antes a revolução); os que foram libertados pela revolução e durante a república Rio Grandense e os que foram arregimentados do lado inimigo, para os quais se prometia a liberdade futura.
"Em vez de cederem a própria mão de obra, os farroupilhas capturavam os negros dos adversários, que serviam aos imperiais ou estavam foragidos, com a promessa de alforria após o fim da guerra”. (Juremir Machado da Silva)
André ressalta que os líderes rebeldes já conheciam a atuação dos negros em revoltas contemporâneas na Bahia durante a Guerra da Independência e em Pernambuco. O Corpo de Cavalaria dos Lanceiros Negros foi composto por mais de 400 homens um pouco antes da Batalha do Seival onde os rebeldes alcançaram importante vitória:
Seu vestuário era constituído por sandálias de couro, colete, chiripá de pano e braçadeira vermelha, simbolizando a república. Durante dez anos, combateram ao lado dos farrapos e contra as tropas imperiais, montados em seus cavalos e armados com lanças compridas.
Liberdade
A luta dos negros era por liberdade, pela possibilidade de inserir-se na sociedade e aqui vemos a maior contradição da Revolução Farroupilha: por um lado defendia os ideais de Liberdade, Igualdade e Humanidade, entretanto, salvo raras exceções (Antônio de Souza Neto e Teixeira Nunes), os estancieiros e líderes rebeldes não eram abolicionistas.
Lei da Chibata
Como resposta ao ingresso dos negros na Revolução Farroupilha, os imperiais decretaram em 1838 a "Lei da Chibata". Ela determinava que todo escravo que fosse preso fazendo parte das forças rebeldes receberia de 200 a 1.000 chibatadas. Apesar desta lei, o ímpeto dos escravizados não diminuiu, estima-se que, no final da guerra, eles representavam até um terço das tropas farroupilhas, ou aproximadamente 10 mil homens. Era praticamente a metade do contingente imperial.
Uma guerra que se arrasta
André pontua, ainda, que quando falamos da Revolução Farroupilha precisamos entender que ela foi de fato uma rebelião de estancieiros contra o governo central, em busca de privilégios como a redução de impostos e outros tratamentos diferenciados, visto que se produzia aqui no sul, boa parte do charque e o couro que abastecia o país, sem contar que estes produtos, exportados produziam grandes rendimentos em impostos. Assim sendo, a longa guerra trouxe perdas incalculáveis tanto para os rebeldes quanto para o governo imperial.
Reconhecimento
“Nunca houve o reconhecimento da República Rio-Grandense por parte do Império e esta de fato não conseguiu se estruturar sem recursos e sem o apoio popular. Pelo lado imperial, a perda de impostos e o risco de destruição de sua estrutura. Se os rebeldes fossem vitoriosos, Serviriam como exemplo a outras províncias que já haviam tentado sua independência. Com o esgotamento de ambos os lados do conflito, várias tentativas de tratados de paz foram realizadas”.
O Tratado de paz e a noite da infâmia
Na madrugada de 14 novembro de 1844, estavam todos em pleno armistício, levando ao relaxamento da guarda no acampamento da curva do arroio Porongos. Canabarro e seus oficiais imediatos foram a uma estância próxima visitar a mulher viúva de um ex-guerreiro farrapo e o coronel Teixeira Nunes e seu corpo de Lanceiros Negros descansavam. Ali foram atacados por um destacamento do exército imperial e desarmados foram vítimas de uma chacina. Ali, em Porongos, tombaram os lanceiros que haviam lutado pelos ideais de liberdade, igualdade e humanidade, ao lado dos farrapos.