Desafiador: esse é o adjetivo que define a situação de conciliar a maternidade com a vida universitária. Cenário marcado pelo período curto de licença e estrutura pouco acolhedora, dificulta que as mães possam lidar com a rotina acadêmica, que, em alguns casos, resultam no abandono do ensino superior.
Para reduzir os índices de evasão, a Comissão de Educação (CE) do Senado, aprovou na última semana, um Projeto de Lei (PLS 429/2018), que assegura às mulheres grávidas e em fase de amamentação o direito de acompanhar o conteúdo do curso superior de forma remota. A proposta segue para análise da Câmara dos Deputados. O projeto prevê o afastamento de até três meses a partir do oitavo mês de gestação.
De acordo com a doutora em Educação e docente da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Sinara Munchen, a Instituição já possuí uma política semelhante. “Atualmente, é regulamentado o regime domiciliar para gestantes e lactantes, que compreende o desenvolvimento de exercícios domiciliares, com orientação do professor. Na pós-graduação, elas possuem o direito de ficar um mês a mais em licença”, contou à reportagem do Jornal Bom Dia.
Contudo, a professora destaca que ainda existe outros empecilhos. “Esse regime auxilia na manutenção do vínculo e do acompanhamento do curso, no entanto, o fator determinante é o retorno às aulas presenciais após este período, visto que o aleitamento materno, por exemplo, é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como exclusivo até os seis meses, e mantido até os dois anos. Como garantir que estas mães consigam amamentar e estar na universidade? Há medidas simples, como as salas de apoio à amamentação, que ainda são raramente encontradas em espaços públicos, inclusive em instituições de ensino. Além disso, a necessidade de trazer o filho à universidade esbarra em inúmeros desafios e limites. Quando temos tantas barreiras no acesso e permanência das mães, estamos direta e indiretamente excluindo estas mulheres da educação superior. Estes obstáculos para as mães são muito impactantes, mas sutis aos olhos da sociedade”, complementou Sinara.
Para ela, o projeto irá auxiliar a permanência, mas ainda deve ser aperfeiçoado. “Nem todos os componentes curriculares podem ser adaptados, o que é o caso dos estágios, por exemplo. Acredito que o primeiro passo é romper com o paradigma de que as mães precisam escolher entre carreira/estudos ou os filhos. Neste ponto entra o papel das instituições, proporcionando espaços de acolhimento para as crianças, salas de aleitamento e retirada do leite, entre outras necessidades existentes, que só podem ser indicadas quando ouvirmos estas estudantes. Sobretudo, penso que o suscitar esse debate é essencial, no entanto, neste modelo, o limite é tênue para novamente direcionar as mães à privação da participação no espaço público e na construção da sua carreira profissional”, argumentou.
Mudanças de prioridade e apoio para seguir os estudos
Mudanças de prioridade e apoio para seguir os estudos Essa realidade é partilhada pelas acadêmicas da UFFS, Ana Flávia Roesler Mohr e Pamela Marmentini Corrêa, que, mesmo com ajuda de pessoas próximas e familiares, relatam a necessidade de ampliação do regime domiciliar e estruturas mais acolhedoras.
“A experiência está sendo desafiadora, pois quando nos tornamos mães, nossas prioridades e rotina mudam completamente, e as colocamos acima das atividades acadêmicas. Estou no final do curso e vou à universidade apenas duas tardes por semana, mas ainda encontro dificuldades em conciliar a dedicação nas aulas com as necessidades da bebê”, contou Ana Flávia, que é mãe da Estela, de três meses.
Para ela, a ideia de abandonar a graduação não surgiu, “apenas considerei trancar o curso pelo período que nós precisássemos. Mas, felizmente, conto com a ajuda da minha família e, então, optei pela continuidade. Penso que o período de licença de 3 meses auxilia muito, porém, é um tempo curto considerando que no meu caso, amamento em livre demanda até os seis meses de idade. O projeto beneficiará sim, mesmo que haja algumas limitações, acredito que qualquer medida que contribua com o processo de inclusão e permanência de mães no ensino superior é excelente”, concluiu.
O tempo de licença também é questionado por Pamela. “Retornei para a universidade após três meses do nascimento de meu filho e isso atrapalhou um pouco, considerando que ainda não estava acostumada com a nova rotina. Defendo que o ideal é no mínimo seis meses de afastamento, pois é o período de adaptação e amamentação exclusiva”.
A realidade de Pamela ainda esbarra em alguns desafios que a fazem cogitar o abandono. “A ideia de suspender o ensino superior aparece a todo momento, pois a universidade não está preparada para receber as mães. Para isso, acredito ser essencial um espaço, pode ser uma sala, pra acolher as crianças e ter monitoras nos espaços públicos. Afinal, é triste ter que sair de salas de aula ou auditórios. Além disso, não temos trocador ou espaços para descanso. Em suma, nós, mães, ocupamos esses espaços e devemos ser reconhecidas”, concluiu.