Havendo concebido um pequeno arco de duas colunas que acompanhassem a realização da Feira do Livro de Erechim (certamente em uma de suas melhores e mais bem realizadas edições), eu trouxe na semana passada à atenção do caro leitor/a dois poemas do poeta estado-unidense Robert Frost (1874-1963), dois dos poemas mais relevantes e lembrados do século XX: “The road not taken”, de 1920, algo como “A estrada não pega”, no sentido de não escolhida; e “Nothing gold can stay”, de 1923, que poderia ser traduzido como “Nada que é dourado permanece”.
Bem: eu estava pensando em prosseguirmos, neste sábado, com mais dois poemas de Frost – mais duas pérolas -, mas houve uma intercorrência: um amigo e uma amiga que estão presentes em minhas redes sociais postaram, justo nessa semana, dois poemas extraordinários: Maurício Trovó surgiu com um poema de Rainer Maria Rilke (1875-1926), em uma, acho eu, tradução livre ou adaptação poética da obra do escritor austríaco, sem título:
“Às vezes uma tristeza antiga
cai sobre mim, como se fosse chuva,
como se dormisse em mim um verão
feito de nuvens cinzentas e silêncio.
Eu me sento quieto, e deixo que ela venha.
Os meus olhos fecham-se como janelas
e tudo dentro de mim se curva
para escutar a chuva da alma.
E então passa.
Como tudo passa.
Mas deixa no chão um perfume de terra molhada
e de compreensão.”
Lilian Bernardon, por sua vez, destacou um poema de Adriane Garcia, colhido do livro “Estive no fim do mundo e me lembrei de você”, de 2021:
“Antropoceno
Está parecendo que eu odeio a humanidade
Desde que vi as morsas caindo de montanhas
Em que nunca deveriam ter subido
As morsas quicando
Uma, duas, três vezes e caindo estateladas
No meio da multidão de morsas
Na costa da Rússia, eu que nunca estive lá
Chorei como quem passava a amar somente os bichos
E as plantas que cultivo no meu apartamento
Sob um pedacinho de sol
Que os arquitetos deixaram por compaixão
Ou por esquecimento
Soube então que faltavam geleiras às morsas
E que elas agora se viravam nas pedras
Amontoadas, que algumas subiam as montanhas e
O resultado já disse
Elas caem e fica parecendo que eu
Odeio a humanidade
Como se eu não soubesse que gente
Também é bicho
Como se eu não entendesse que é preciso amar
A minha própria espécie
Fica parecendo que eu não compreendo
Que nós caímos quando a morsa cai.”
Um feliz final de Feira!