É difícil não ver a ironia. Em uma época em que a informação corre mais rápido do que conseguimos absorver, das imagens em tempo real e inteligências artificiais que respondem perguntas antes mesmo que a gente as faça, o mundo ainda parou diante de uma simples chaminé. Ela ficou lá no alto da Capela Sistina, erguida sobre o telhado, esperando pela fumaça. Foi dessa fumaça que o mundo enfim pôde saber: temos um novo papa.
Talvez seja essa ironia que torne tudo ainda mais encantador. Enquanto havia câmeras em todos os ângulos, repórteres plantados nas esquinas de Roma e milhões acompanhando por telas de diferentes tamanhos, o que realmente importou ali foi um sopro de fumaça. Preto ou branco. Ainda não ou agora sim. E só.
Em um mundo onde tudo precisa de explicação, a chaminé mais uma vez falou sem palavras. E todos entenderam. Ela foi, ao mesmo tempo, o mais antiquado dos dispositivos e o mais poderoso dos comunicadores. Ela ignorou o protocolo da velocidade, desprezou os recursos do espetáculo. E mesmo assim, ou por isso mesmo, atraiu a atenção mundial. Isso diz mais sobre nós do que sobre ela.
A chaminé no Vaticano ainda serve para explicar que, mesmo com tanto progresso técnico, continuamos a nos curvar para símbolos simples. Talvez porque no fundo, debaixo do barulho da modernidade, ainda há espaço para o mistério. Talvez porque gostamos, secretamente, da ideia de que há lugares onde o tempo corre diferente. Onde decisões são tomadas sem pressa.
A fumaça preta é provocadora. Ela sobe como um "não", mas um “não” digno, silencioso e inabalável. Não tem justificativa, não pede desculpas. Apenas avisa: não foi dessa vez. É um gesto que vai na contramão de tudo o que o mundo exige hoje: pressa, acesso e clareza imediata. A fumaça branca, quando vem, também não explica nada. Apenas diz: agora temos alguém, e ponto final.
E é aí que está o mais curioso. A mesma humanidade que muitas vezes não aguenta cinco minutos de espera no trânsito, aceitou serenamente aguardar uma decisão da Igreja olhando para uma chaminé. A mesma sociedade que exige transparência de tudo, tolerou o segredo absoluto do conclave. E quando viu a fumaça mudar de cor, celebrou como se tivesse participado do processo.
Há algo profundamente humano nessa entrega. A chaminé, rústica e analógica, conseguiu o que nenhum anúncio moderno consegue: silenciou o mundo por alguns segundos. Ela se tornou, paradoxalmente, uma das últimas transmissões verdadeiramente universais.
No fim, talvez a ironia seja mesmo um presente. A chaminé nos mostrou que os rituais nos conectam tanto quanto os avanços. E que, apesar da pressa e do ruído, ainda somos capazes de esperar por um sinal que vem do alto, de modo simples, antigo e quase absurdo. Mas eficaz.