Somos livres, “um milhão de possibilidades”, ou somos sobredeterminados por forças que se situam além de nossa alçada, sejam elas metafísicas ou históricas? Ou, no que seria mais ou menos um meio termo, como em Santo Agostinho, somos livres, mas livres dentro de um roteiro, um “plano” que nos transcende e que nos é anterior? Da tragédia grega, vem a lição incômoda (para nós) de que não apenas nosso destinado está traçado, como as circunstâncias se dão de modo que, quanto mais tu tentares fugir de teu destino, mais tu estarás correndo, e com mais energia, em direção a ele – em direção a seu cumprimento.
Na modernidade/ contemporaneidade ocidental, herdeira da Grécia e da Idade Média que se inicia com Santo Agostinho elaborando o significado da queda de Roma, porém, cultivamos a ideia de que somos livres, e mais: condenados à liberdade (Sartre), o futuro está em aberto. Se bem situadas em seus contextos culturais, sermos sobredeterminados ou livres são apenas duas ideias, uma se nos apresentando, em tese, tão “boa” quanto a outra. No limite, trata-se de uma questão “indecidível”, ou, por outra, perfeitamente decidível: tu decides como tu quiseres.
Mas e na China Antiga? Como é comum que façam aqueles chineses danados, de lá vem, por sua vez, uma lição que ao mesmo tempo oferece uma perspectiva diferente e é pragmática. Deng Ming-Dao: “Os que seguem o Taoísmo falam de destino. Definem destino como o curso ou padrão de sua vida à medida que ele espontaneamente adquire forma. Não pensam no destino como um conjunto preestabelecido de circunstâncias. Não existe um roteiro rígido para este palco insano em que estamos.” Bem, isso nos aproxima do polo “liberdade”. E o reconhecimento de que vivemos em um palco insano... quem poderá negar?
“Os que seguem o Taoísmo falam, então, de posição. Com isso, querem referir-se a algo tão literal quanto o lugar em que você situa sua casa ou a postura que assume politicamente. Eles acham esses fatores muito importantes. Imaginemos por um momento que você teve uma oferta de emprego em outra cidade, longe de onde você nasceu. Você se muda para lá com sua família. Você acha que sua vida mudaria? Podemos refinar essa ideia: se você fosse para certa escola, seria educado de maneira diferente. Se fosse para uma profissão diferente, ela mudaria sua perspectiva. Se vivesse em um bairro, ou em outro, seria uma pessoa diferente. Toda escolha que você faz o modifica.” Está bem, não está? Falta, talvez, dizer que nossas escolhas, em uma dimensão não pequena, são também elas sobredeterminadas por forças sociais e históricas. Mas está bem.
“Não importando se grandes ou pequenas, você deve fazer escolhas a cada minuto que passa. A ironia da vida é que se trata de uma viagem de mão única. Você não pode voltar, não pode estabelecer comparações, tentando de uma maneira e depois de outra. Não há estudos estatísticos quando se trata de sua vida. Portanto, unicamente a sabedoria conseguirá guiá-lo.” Como muitas vezes ocorre no pensamento oriental, é prudente deixar a metafísica de lado – nem que seja estratégica, taticamente. Deixe que os doutos discutam as questões que advêm daí; eduque-se; saiba avaliar cada momento dado, cada situação, seja em que arco de tempo essa situação esteja, saiba ler as fases da vida, o mundo. Como em um exercício de Tai Chi Chuan, execute a sua postura, encontre a sua posição, defina o curso de sua vida naquilo que tu podes controlar. É o suficiente – um pouco como no Estoicismo, também. E, como em Drummond, ajude seus companheiros/as.
Do autor citado: “Um lado da cordilheira é frio e nebuloso;/ O outro é quente e seco./ Só em escolher onde se colocar,/ Você altera o seu destino.”