Dia desses, em diálogo com alguém muito especial e de apenas dezesseis anos, a S., eu me lembrei deste meu texto, elaborado já há uns anos, em circunstância semelhante. Trago-o para a apreciação do caro leitor/a:
Minha avó paterna, a Vó Hilda, dizia que a noite não é o momento de se moer e remoer coisas. É algo que todo mundo é capaz de entender intuitivamente, sem maiores explicações. À noite, nesses casos, o melhor é procurar sossegar e dormir: além de trazer consigo aflições, angústias e sofrimentos persistentes, ampliados, a noite atualiza medos ancestrais, muito antigos. Quando a escuridão da noite desce, somos de novo aqueles primeiros hominídeos encolhidos no fundo de uma reentrância de caverna, para quem o mundo natural, e talvez já o sobrenatural, representava um caldeirão frio de ameaças sem fim. Depois do fogo mudou – mas não muito.
Erich Maria Remarque notou que a noite traz inquietação e tristeza, sobretudo quando cai lenta. É como se fôssemos apanhados de surpresa, é preciso ter cuidado. Vó Hilda: o melhor é procurar sossegar e dormir. Ursula K. Le Guin escreveu que “todos nós temos florestas em nossas mentes. Florestas inexploradas, ilimitadas. Cada um de nós se perde nessa floresta, todas as noites, sozinho.” Há aqui um aspecto de exploração (também parte de nós, e daqueles primeiros hominídeos), mas há também o perder-se. É sempre possível enxergar algo romântico, e mesmo libertador, no perder-se. Mas em Le Guin isso não parece bom. Vó Hilda: o melhor é procurar sossegar e dormir.
George R. R. Martin observou que, quando o sol se retira, nenhuma vela pode tomar o seu lugar. Quer dizer, já houve uma perda, uma Perda. Um perder-se, um “get lost” na floresta do espírito. A vela só traz um pálido conforto, uma triste reminiscência do dia. Um vestígio do dia. Vó Hilda: o melhor é procurar sossegar e dormir. Oscar Wild, por sua vez, rascunhou: “É sempre entardecer no coração de alguém.” Aquela floresta jamais está desabitada: há sempre passos hesitantes lá, mesmo que não sejam os meus. É bom e solidário que lembremos disso – podemos alcançar uma mão, quem sabe, antes de procurar sossegar e dormir.
A ideia de a noite não ser o momento de se moer e remoer coisas tem, dentro de si, a noção de que nenhuma solução virá disso, e a de que o amanhecer, a luz do dia, tem mais e melhores chances de oferecer, se não uma solução, ao menos uma perspectiva nova para o problema. Sidarta Ribeiro diria que mesmo o sonho tem mais chances de oferecer essa nova perspectiva que o moer e remoer coisas. Haverá, é claro, quem enxergue melhor na escuridão e não precise de nenhuma luz, como em Emily Dickinson. Cada um, cada um. De qualquer modo, como diz Red, a árvore-protagonista do livro de Katherine Appelgate, com solução ou não, com perspectivas novas ou velhas, “já aprendi que não há muito a fazer além de seguir firme e forte, com os galhos erguidos e as raízes no chão.”