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Opinião

Dívida pública: só serve quando convém

De 1997 a 2019 os estados pagaram a União R$ 357 bilhões de juros e amortizações. Mesmo assim a dívida subiu de R$ 112 bilhões para R$ 559 bilhões. Ou seja, a dívida foi paga 3 vezes e seu estoque se multiplicou por 5 vezes. Recentemente, o governo federal concedeu a iniciativa privada 28 ativos de infraestrutura cinco portos, 22 aeroportos e um trecho de ferrovia. As concessões são válidas por 30 anos e nessa operação a União arrecadou, ao todo, R$ 3,56 bilhões sendo que gasta R$ 1 trilhão de juros e amortizações todos os anos. Por que não estancar a sangria, que é muito maior. Não tem lógica isso

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União arrecadou em concessões no total R$ 3,56 bilhões, sendo que gasta R$ 1 trilhão de juros e amor
Por Ígor Dalla Rosa Müller
Foto Divulgação

Numa conversa qualquer, em casa, num bar, na rua, sobre a necessidade de se fazer mais investimentos em áreas necessárias para se desenvolver social e economicamente, e que isso é fundamental para se construir uma sociedade mais equilibrada, com trabalho, renda e um mínimo de dignidade. Num segundo, após se dizer isso, vem a afirmação: os estados e o país estão quebrados, não tem dinheiro. Isso é repetido por gerações

E aí eu chego ao ponto que queria, o argumento financeiro sempre, mas sempre, é citado por governos, indivíduos, como que para desfazer a frase acima, como querendo dizer, para o indivíduo que afirma que o investimento público é importante, para ele sair deste devaneio idealista, que a realidade é outra, cruel, e o furo é mais embaixo.

Agora, eu pergunto, por que esse mesmo argumento econômico não é utilizado para analisar a realidade financeira do Estado, já que tudo se resume a dinheiro, pois então, se analise para onde vai todo o dinheiro do Brasil, do Estado do Rio Grande do Sul. Simples. Se tudo é dinheiro para onde vão os recursos dos impostos? Essa é a discussão que a sociedade brasileira e o Rio Grande do Sul precisam fazer. Exigir. 

Fazer auditoria das próprias finanças no setor privado, é uma prática normal, porque isso leva aos possíveis desperdícios de matéria-prima, recursos, trabalho. E isso funciona. Agora, por que quando se fala em auditoria das contas públicas, logo vem a ideia de isso não é legítimo, e soa até como calote? É um absurdo, justamente por se tratar de recursos públicos, de todos, originados pela sociedade.   

E, todos de uma maneira ou outra sentem o peso do Estado ou a falta dos seus serviços, mais ou menos, seja rico ou pobre, a questão é que se faz urgente saber os desperdícios e o que se faz com o dinheiro público. Aliás, uma auditoria implantada pelos parlamentares estaduais justificaria sua existência e o seus custos.

Erros de política monetária

Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, em “Breve histórico da dívida dos estados até a proposta de ‘regime de recuperação fiscal’ revela atuação do sistema da dívida como mecanismo de dominação, artigo produzido por Maria Lucia Fattorelli e colaboradores, voluntários e apoiadores da entidade, o problema da dívida dos estados vem se agravando desde a década de 90, quando sofreu o impacto dos erros de política monetária adotada pelo Banco Central, que elevou absurdamente as taxas de juros sob a justificativa de “combater a inflação”, a qual, na verdade, era provocada por outros fatores não influenciados pelos juros. A seguir trechos do artigo.

Refinanciar o rombo

“Em seguida, essa dívida inflada foi submetida a ‘refinanciamento’ que somou obscuros rombos de bancos estaduais e aplicou condições onerosíssimas que fizeram essa dívida ilegítima se multiplicar por ela mesma e submeter os estados a contínuas perdas cada vez mais humilhantes. A recente proposta de ‘Regime de Recuperação Fiscal’, além de ter efeito contrário ao que o nome indica, submete os Estados a conselho de supervisão estranho à estrutura estatal e que assume poderes até superiores às autoridades eleitas”, afirma a Auditoria.

Auditoria da dívida pública estadual e federal

Desta forma, explica a Auditoria, tendo em vista os diversos e graves indícios de irregularidades já comprovados, “é urgente a necessidade de se exigir completa auditoria da dívida dos estados e, também, da dívida federal. Em especial após a aprovação da EC 109, que coloca na Constituição Federal a necessidade de todos os entes produzirem ajuste fiscal, privatizações e outras medidas para garantir a ‘sustentabilidade da dívida’”, observa a entidade.

Multiplicou a dívida

“Na década de 90, a política monetária do governo federal (com altíssimas taxas de juros) multiplicou a dívida dos estados com o setor financeiro. A partir de 1997, o governo federal submeteu os estados a um conjunto de pacotes: (1) o refinanciamento dessas dívidas em condições onerosíssimas, vinculado a um rigoroso programa de ajuste fiscal (PAF); (2) a privatização de diversos ativos estaduais (PED); e, ainda, (3) a transferência do obscuro passivo dos bancos estaduais para a responsabilidade dos estados (PROES)”.

Origem ilegítima da dívida

Conforme a Auditoria Cidadã, “por meio da Lei 9.496/1997 e da Medida Provisória 2192-70, tanto aquela dívida inflada pela política monetária do Banco Central, como também o passivo dos bancos estaduais, se transformaram em “dívida dos estados com a União”, o que marca a origem ilegítima dessa dívida, tendo em vista que 55% do valor refinanciado pela União correspondeu a passivos dos bancos, verdadeiros “rombos” que nunca foram auditados e têm sido pagos pelo povo”.

Paga 3 vezes

“O montante refinanciado pela União passou a ser cobrado com juros compostos (juros sobre juros) altíssimos: 6% a 7,5% ao ano mais a inflação medida pelo IGP-DI. Como resultado, de 1997 a 2019 os estados pagaram a União R$ 357 bilhões de juros e amortizações. Mesmo assim a dívida subiu de R$ 112 bilhões para R$ 559 bilhões. Ou seja, a dívida foi paga 3 vezes e seu estoque se multiplicou por 5 vezes! A União utiliza tais recursos exclusivamente para pagar a também questionável dívida pública federal, que também deveria ser auditada com participação social”.

Uso da dívida para submeter ainda mais os estados

“Por fim, a Lei Complementar 178/2021, aprovada em votação relâmpago (na Câmara e Senado em um só dia, em 15/12/2020), fez amplas modificações no denominado “Regime de Recuperação Fiscal”, e exige estudo aprofundado, pois perpetua por até 9 (nove) anos a vigência de rigoroso ajuste fiscal para que os estados tenham como efetuar o pagamento da dívida refinanciada pela União, em condições que nitidamente ferem o federalismo e até a Constituição", na medida em que submete os Estados a “Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal” que poderá ser composto por pessoas estranhas à estrutura do Estado (apenas 1 membro é indicado pelo TCU. Quem serão os demais? Virão do mercado financeiro?) e terá amplos poderes e acesso completo às informações do estado, podendo inclusive tomar decisões que obrigarão o estado a efetuar cortes de investimentos sociais, corte de direitos sociais e realização de privatizações”

Sem economia

“O costumeiro discurso oficial de que “a adesão a tal regime implicaria a ‘economia’ de tantos bilhões de pagamentos da dívida com a União”, não se confirma na prática. Na verdade, não existe tal “economia”, já que todas as parcelas suspensas ou adiadas terão que ser pagas posteriormente com juros compostos e correção monetária. Além disso, ademais da ilegitimidade de grande parte do valor refinanciado, que incluiu passivo de bancos estaduais, tais dívidas já foram pagas várias vezes, tendo os estados direito a serem ressarcidos do que pagaram a mais”.

Estados lesados pela Lei Kandir

“Além de lesados por décadas em decorrência das ilegitimidades e abusos do processo de refinanciamento feito pela União, os Estados têm sido lesados também em relação ao ressarcimento devido pela União aos Estados em relação à Lei Complementar 87/1996, a chamada “Lei Kandir”. As perdas não ressarcidas, calculadas no período de 1996 a 2016 somaram R$ 549 bilhões. Estados fizeram um acordo rebaixado, mediante o qual irão receber da União cerca de apenas 10% do que teriam direito, e em 18 parcelas! O STF participou desse acordo! A recente EC 109 revogou o ressarcimento das novas perdas dos Estados com a isenção do ICMS ao rico setor primário-exportador. Todo sacrifício decorrente desses péssimos acordos recai sobre a sociedade”.

Tem dinheiro de sobra

“Recursos existem, e de sobra: apesar do repetido argumento de que o governo federal não teria recursos para pagar o ressarcimento da Lei Kandir aos estados, atualmente o governo federal dispõe de R$ 1,6 trilhão em caixa, na Conta Única do Tesouro Nacional. Entretanto, a EC 109 destina esse valor ao pagamento da questionável dívida pública federal, que deveria ser auditada conforme manda a Constituição Federal, e que tem consumido mais de R$ 1 trilhão de juros e amortizações todos os anos, destinados principalmente a grandes bancos e investidores”.

Vou fazer um parêntese aqui, só pra lembrar, recentemente, governo federal concedeu a iniciativa privada 28 ativos de infraestrutura cinco portos, 22 aeroportos e um trecho de ferrovia. As concessões são válidas por 30 anos e nessa operação a União arrecadou, ao todo, R$ 3,56 bilhões sendo que gasta R$ 1 trilhão de juros e amortizações todos os anos. Não tem lógica isso. 

Fim da autonomia dos estados

“Esse breve resumo mostra claramente que a dívida dos estados refinanciada pela União, apesar de ilegítima, já foi paga diversas vezes, e tem servido de justificativa para contínuos ajustes fiscais cada vez mais rigorosos, além de perda de patrimônio público estratégico. Agora, representa o fim da autonomia dos estados, que ficarão submetidos a conselho supervisor composto por pessoas que poderão vir até do mercado financeiro. Por outro lado, os créditos dos estados perante a União têm sido objeto de verdadeiro calote!”

Esse é o Brasil de sempre.

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