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Opinião

Saudades do tempo que se foi

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Maria Emília Bottini
Por Maria Emília Bottini - Psicóloga Clínica na InterAções Psicologia Clínica Integrada
Foto Maria Emília Bottini

Sai para um café com uma amiga e colega, ao retornar para casa decidi visitar minha vizinha e amiga querida. Sabia de sua cirurgia e que se recuperava. A encontro sentada em seu sofá e vendo televisão. Me conta que está fazendo quimioterapia e está com câncer e dos custos deste tratamento, seu lindo cabelo já lhe deixou e como tem sido este percurso e a consciência do fim. Faz o que é possível para enfrentar essa luta aos 82 anos.

Falamos, ouvimos, trocamos, rimos e nos emocionamos.

Em dado momento das nossas trocas, pegou seu celular e me mostra algumas fotos e neste momento me emocionei, pois havia recebido a visita do distinto senhor e narrou a seguinte história.

Quando tinha 14 anos foi com suas primas para uma festa no interior de Barão de Cotegipe, onde morava com sua família. Lá conheceu um rapaz bonito, conversaram e este lhe deu carona de caminhão até a entrada de sua casa, a acompanhou, sem pegar na mão ou toque algum, não era permitido. Suas primas também estavam com ela, ele as acompanhou até a casa delas que ficava nas proximidades. Um tanto enciumada o aguardou retornar e toma a iniciativa, num ímpeto de ousadia e o convida para o baile que teria naquela noite em sua comunidade. Ele prontamente aceita.

Na noite os corpos se encontram e dançam, dançam. Pouca conversa, nenhum beijo, nenhum revés, nada além da música e do divertimento pueril de dois adolescentes descobrindo o encontro, o estar junto. Próximo da meia noite ela decidiu que já era hora de ir para casa, se despede e partiu, ele permaneceu no baile.

A vida fez seus caminhos e nunca mais se viram. Somente um encontro entre eles nada mais, nada menos. Ela casou-se e teve duas filhas, trabalhou como corretora de imóveis, ficou viúva, morou em Santa Catarina, mudou-se para Erechim, teve depressão e o câncer chegou com a idade avançada.

Ele casou, tornou-se agricultor, foi morar em Campo Grande, ficou viúvo há 5 anos e lhe guardou em seu coração e memória num lugar mágico, bonito e quentinho.

Um dia sua filha mais velha recebeu uma ligação perguntando sobre ela, era o filho do senhor do baile hoje aos 90 anos. A ligação reconectou 67 anos transcorrido, um longo período entre o baile e aquele momento.

Eles passaram a conversar, a trocar vida, afeto e luz em momentos sofridos do adoecer e da perda, da proximidade da morte, do medo do sofrimento, da dor. Ele tem os detalhes vivos daquela noite, ela já não lembra tanto assim. Aquela noite é revivida, o baile é revisitado, o reencontro guarda uma saudade distante.

No final de semana passado recebeu a visita deste homem envelhecido pelo tempo, mas ainda apaixonado pela cena do baile a alimentar seus dias na espera pelo reencontro, no que poderia ter sido suas vidas, suas histórias. Estava acompanhado pelo filho e a nora.

Eles conversam, tiraram algumas fotos para registrar o presente, se tocam, trocam olhares e afeto.

Juntos se lembram que eram jovens bonitos, lembram das tonalidades da adolescência, eles se lembram. Muitas estações se passaram e os envelheceu, com tudo sentem juntos saudades do tempo que se foi.

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Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)

Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)

Autora do livro “No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer”

Contato: (54)991574594