Ser homem, para muitos de nós, foi sinônimo de força silenciosa, resistência à dor e indiferença à emoção. Crescemos ouvindo frases como “engole o choro”, “homem não sente medo” e “isso é coisa de mulher”. Essas ideias moldaram gerações e, por muito tempo, foram confundidas com educação. Hoje, sabemos nomear: isso é masculinidade tóxica e ela ainda persiste.
A forma como educamos uma criança reverbera por três gerações. Educar não é brincadeira. Quando um homem se torna pai, tem diante de si uma escolha de repetir padrões herdados ou rompê-los. E romper não é perder autoridade, é reconstruí-la com base no respeito, no afeto e no diálogo. Valores historicamente negados a nós, homens.
Masculinidade tóxica não é um conceito abstrato. Ela aparece no cotidiano com pais que não dizem “eu te amo”, que não abraçam, que se afastam emocionalmente à medida que os filhos crescem. Pais que confundem autoridade com gritos, castigos e controle, tratando filhos e filhas de forma desigual e perpetuando estereótipos que alimentam desigualdades.
Felizmente, há um movimento crescente, ainda que silencioso, de pais que estão dizendo “não” a esse modelo. Homens que choram na frente dos filhos, que pedem desculpas, que falam sobre sentimentos. Pais que cuidam, que escutam, que estão dispostos a aprender. Isso exige coragem. Exige romper com um silêncio ancestral e entender que vulnerabilidade não é fraqueza, é conexão.
Romper com esse modelo de masculinidade é também libertar nossos filhos e filhas. Meninos com acesso a um repertório emocional mais amplo. Meninas que saberão que merecem respeito, não submissão. Oferecemos, assim, um novo modelo de homem: aquele que sente, que cuida, que erra e tenta fazer diferente.
Não existe pai perfeito. Mas existe o pai que tenta. Que se observa, que aprende. Que entende que amar também é um aprendizado. Que, para ser melhor para os filhos, precisa primeiro ser melhor para si mesmo.
No fundo, a maior força de um pai está em se mostrar inteiro, mesmo que em pedaços. É assim que se quebra um padrão. É assim que se transforma o futuro.
Mas no começo, quase falhei. Quando recebi a notícia de que um dos meus filhos havia partido, entrei em desespero. Chorei como nunca. Senti uma dor que não consigo nem explicar. E então vi o desespero da minha esposa, que sentia nosso filho partir ainda dentro do seu ventre. Nesse momento, criei uma casca. Parei de chorar e apaguei muita coisa da minha memória, literalmente. Amnésia seletiva. E comecei a ouvir que eu precisava ser forte, que eu era pai e marido e precisava manter tudo em pé. E assim eu tentei fazer.
Tive, porém, anjos ao meu redor. Pessoas que me chamaram de volta à razão e me lembraram que eu precisava sentir. Que minha esposa não precisava de um homem de mentira, que se escondia atrás de convenções. Desabei. E foi ali, perdido em sentimentos tão pesados e inexplicáveis, dentro do meu luto, que comecei a me desfazer dessas amarras.
Dias depois, no parto, me permiti chorar. Foram dois choros: um de vida e outro de partida. Decidi que preferia me explicar sobre meu choro do que escondê-lo. Meus filhos mereciam ver e ter um pai real. Gael partiu cercado de amor, ouvindo desde o ventre o quanto era amado e desejado. Miguel chegou da mesma forma: amado, desejado, e livre para sentir.
Ser pai, para mim, virou um exercício diário de desconstrução. Não é apenas ensinar o certo e o errado. É mostrar que sentir é coragem. Que um homem pode errar, pedir perdão, ter medo e continuar sendo homem.
Romper esse padrão não é fácil. Cansa. Assusta. Mas também liberta. Quanto mais me permito ser inteiro, menos perfeito eu preciso ser. E mais vejo meu filho crescer livre para ser ele mesmo e, quem sabe, melhor do que eu fui e/ou sou.
A masculinidade tóxica nem sempre grita. Às vezes, se esconde no silêncio: no “depois a gente conversa”, no “é só um cisco”, no “vai falar com sua mãe”, no “isso não é coisa de menino”, no “escolhe outro, essa cor é de menina”. E assim nos ausentamos, mesmo presentes.
Talvez esse seja o verdadeiro legado: não o de ser o pai perfeito, mas o que teve coragem de mudar. Que olhou pra dentro e decidiu ser um novo ponto de partida. Para o Gael, deixo a certeza de que fui o melhor que pude ser no tempo que tivemos. Para o Miguel, a promessa de tentar ser, todos os dias, um homem e um pai melhor. Por ele. E por mim.