Como fazer a crítica da sociedade hoje em dia? E com crítica me refiro a uma análise do que se vive, com olhar reflexivo, de qualquer um de nós sobre a realidade brasileira. Em que bases, com quais referências, textos, autores, valores, conjuntura socioeconômica, políticas, ideias, se ancora, embasa e se sustenta o raciocínio, posicionamento? Para evitar transtornos, de antemão alerto, o que segue é a minha opinião e perspectiva.
O Brasil está formatado dentro de um modelo que exerce controle e que gera também “formação de consenso social” sobre os mais diferentes assuntos, com múltiplas formas de se moldar a opinião pública para deixa-la adestrada, passiva ou agressiva. E, desta maneira, incorporar as leis e regras necessárias para manter o funcionamento desta sociedade, como ela foi “programada” para ser. Não é novidade, mas isso não é consenso.
Para se perceber a realidade é preciso considerar o conhecimento vivenciado em família, comunidade, escolas, igrejas, universidades, jornais e TV, política, entidades, empresas, trabalho, tudo isso junto ou fracionado, cada um exercendo a sua influência sobre o indivíduo e a sociedade. Em parte, esta lógica ainda existe e funciona e a ela foi acrescentada outras ferramentas: a internet e as redes sociais.
O consenso “permitido” visa discutir, fomentar, indefinidamente, com muita carga político-ideológica, muita coisa básica, batida, elementar, assuntos encerrados em outros contextos, que avançam, são produtivos e proporcionam bem-estar à população. Quanto mais partidarismo, individualismo, revanchismo, mais consenso. Por outro lado, não é consenso que isso precisa mudar.
Não há consenso que o modelo que define a estrutura econômico-produtiva, os rendimentos, que tal coisa vale tanto (a coisificação pode ser em relação à vida), que aquele outro dois tantos, que o dia de trabalho vai ser de xis horas, que a pobreza é fundamental para manutenção do sistema. O consenso produzido e amplamente divulgado, como bandeira máxima desta estrutura, é o mérito individual.
No entanto, não há consenso que o mérito esteriliza a realidade cirurgicamente, ignora, completamente, a condição em que vivem as pessoas, não considera se elas têm os meios materiais e culturais para prosseguir. Muitas prefeituras perceberam que não é bem assim e que o investimento público associado ao privado faz toda a diferença no que diz respeito ao desenvolvimento socioeconômico. Mas isso ainda não é consenso.
Não há consenso em dizer que ter os meios facilitam a jornada e sua ausência só criam dificuldades. Levantar e ter a comida na mesa é melhor que acordar, vencer distâncias, trabalhar, para depois se alimentar. Há uma boa diferença. Nisso também não há consenso.
Certo que há muitos exemplos de superação, inclusive, conheço vários deles, pessoas que matavam o sapo de manhã para comer à noite, tendo que estudar e trabalhar, em três turnos, precisaram fazer esforços monumentais, se submeter a privações, de todo tipo, para “vencer na vida”. E conseguiram, são exemplos, não há nenhuma dúvida, mas também não há consenso aqui, porque eles fizeram nada mais que a obrigação.
Falar sobre a estrutura política e econômica é consenso que será assunto espinhoso, pantanoso, escorregadio, porque a sociedade brasileira não deve se envolver nos assuntos sérios do país, há quem faça isso da melhor maneira por todos. Bom exemplo está na política econômica que define os juros da economia brasileira, eles devem ser os mais altos possíveis para salvar a população da inflação. É consenso geral.
Outro consenso amplamente disseminado está na liberdade das redes sociais, aliás, muito bem elaborado e pulverizado na internet de que qualquer regulação é censura, privação da liberdade de expressão, autoritarismo, crime. De outro lado, não é consenso de que a internet já tem regras de funcionamento e é preciso ampliar estas diretrizes e monitoramento para as notícias falsas, os discursos de ódio, e outros crimes que atentam contra a vida das pessoas.
Não é consenso social que todo conteúdo publicado na internet pode ser manipulado, direcionado, pode ser friamente calculado para influenciar a opinião pública, desde difamar, mentir, deturpar a realidade ou eleva-la à condição ideal. Não é consenso que toda tecnologia elaborada pelo ser humano pode ser usada para fazer coisas boas e ruins.
Não é consenso que as redes sociais interconectaram o mundo, deram voz e imagem à bilhões de realidades, romperam o anonimato, a invisibilidade social e econômica, encontraram um meio de chamar atenção para seus problemas reais e buscar soluções efetivas.
O consenso, afinal, é deixar tudo como está e não importa a realidade. Quem não quiser consenso fabricado que procure os seus direitos no balcão de reclamações da internet.