Este final de semana assisti um vídeo qualquer e, em certo ponto, falava que nós não podemos escolher as dores deixadas pelo passado, principalmente aquelas geracionais e achei alguns pontos muito interessantes. Na última coluna falei que após amadurecer, mas principalmente, após me tornar pai, passei a entender melhor como o mundo pode formar e deformar as pessoas, então decidi falar um pouco sobre isso. Hoje, sabe-se que o ambiente em que crescemos tem um impacto profundo na formação emocional, tanto para o bem, quanto para o mal. Ambientes frios, marcados pela ausência de afeto, moldam silenciosamente a forma das relações e de enxergar o todo, bem como os ambientes afetuosos.
Porém, chega um momento em que se torna necessário decidir o que fazer com essa dor, com essa falta. E sim, é uma escolha, pois é ela quem vai determinar se o ciclo será repetido ou reconfigurado. Muitos que cresceram cercados por ausências afetuosas chegam à vida adulta reproduzindo, ainda que inconscientemente, as mesmas distâncias, reagindo com frieza e afastando a si mesmo e aos outros quando deveriam sem presença, repetindo então o ciclo.
Dar continuidade a esse processo não é uma necessidade, também não é justo projetar, nas pessoas de hoje, o peso do que faltou lá atrás. É preciso compreender que curar-se é um ato de responsabilidade afetiva, pois não existe vínculo saudável sem maturidade emocional. Já se perguntou como tem sido oferecido o afeto hoje em suas relações? Se a frieza causou dor, por que transformá-la em padrão de convivência?
Muitas vezes, sem perceber, acaba-se descontando dores antigas em pessoas que sequer participaram delas. E quem paga essa conta? Quem caminha junto no presente e o ciclo só irá se romper, quando alguém assim decidir. E essa decisão exige coragem para oferecer ao presente e ao futuro, o amor que fez falta. Um amor gentil, cuidadoso e leve, que não aprisiona, não maltrata e que não exige compensações.
E isso vale para todas as relações, sejam elas amorosas, familiares, amizades, paternas e maternas. Aliás, colocar todas as expectativas em uma única relação, especialmente na materno ou paterno-afetiva, é algo patológico, tanto para quem oferece quanto para quem recebe essa carga emocional. Pai e mãe não são tábuas de salvação e os filhos não são muletas emocionais. Nenhum vínculo sobrevive à exigência de ser tudo o tempo todo e lá vai o ciclo se repetir por mais algumas gerações, portanto, caso essa dinâmica esteja presente, buscar apoio não deve ser visto como fraqueza e sim, como um gesto de cuidado.
O amor saudável não nasce do medo de ficar só, nem da urgência de suprir o que faltou. Ele nasce da escolha consciente de amar de forma diferente, ele aparece quando se decide não repetir as experiências ruins que deixaram tantas marcas, mas principalmente, quando se compreende que é possível construir algo novo, com mais presença, escuta, afeto, compreensão, respeito e qualidade.
O passado não pode servir como desculpa para repetir ações “aprendi assim” e nem como zona de conforto para não lidar com os fantasmas “para que mexer nessas feridas?”. Caso contrário, o futuro será apenas um reflexo mal acabado do que já passou e o presente, um espaço que precisa ser preenchido para ir à próxima fase. Penso que cuidar das relações – todas elas – faz parte do processo evolutivo e é, também, uma forma de honrar a si e às histórias que se deseja transformar.