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Há 79 anos, invasão alemã da URSS marcava início do extermínio em massa de judeus na II GM

A chamada Operação Barbarossa, alimentada pelo antibolchevismo e antissemitismo, tinha como objetivo a ‘aniquilação’ da população soviética

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33.771 judeus de Kiev foram mortos nas ravinas de Babi Yar em apenas dois dias.
Monumento às crianças mortas em Babi Yar. Foto: Salus Loch
Por Salus Loch
Foto Divulgação

A invasão da Alemanha nazista e colaboradores à então União Soviética (URSS), às 3h15min do dia 22 de junho de 1941, marcou o início do extermínio em massa da população judaica durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945).

Por sua importância e magnitude, a chamada Operação Barbarossa (nome dado em homenagem ao imperador alemão medieval Frederico Barbarossa, que participou das Cruzadas no século XII), é reconhecida como uma das mais sangrentas e brutais da história das guerras, deixando mais de duas dezenas de milhões de mortos, incluindo, pelo menos, seis milhões de civis soviéticos, de acordo com o historiador Wolfram Wette.

Embora a perseguição do III Reich aos judeus tenha começado logo nos primeiros meses de 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder, a invasão da URSS, conforme o Museu do Holocausto de Israel (Yad Vashem), foi ponto de virada determinante para a implantação da ‘Solução Final da Questão Judaica’, pela qual os nazistas pretendiam eliminar os nove milhões de judeus da Europa. Ao final da Segunda Guerra, seis milhões deles pereceram - boa parte de origem soviética e eslava.

 

Florestas e vales, a natureza como testemunha

Os primeiros assassinatos em massa de judeus foram realizados em florestas, vales ou ravinas da Bielorrússia, Lituânia (em dezembro de 1941, 80% dos judeus lituanos haviam sido mortos), Ucrânia, Rússia e outras regiões da antiga URSS. No ideário nazista, a aniquilação deveria ser rápida e impiedosa para garantir, além do fim da ‘ameaça comunista’, o espaço vital (Lebensraum) e os recursos naturais necessários para o ambicionado Reich de 1.000 anos, que duraria pouco mais de 12.

 

3 milhões de soldados - o ataque

O silêncio da madrugada de 22 de junho de 1941 foi quebrado pelo trovão de 7.000 armas, 3.600 tanques, 600 veículos motorizados (incluindo blindados) e 625.000 cavalos distribuídos ao longo de 3.000 Km de fronteira da Finlândia ao Mar Negro, acompanhadas de 2.700 aviões de guerra e 186 divisões (154 alemãs, 18 finlandesas e 14 romenas), num total de 3 milhões de soldados que se espalhariam pela URSS (com o acréscimo posterior de húngaros, eslovacos, italianos e voluntários espanhóis, belgas e franceses).

Até então invencível, a Força Armada Alemã (Wehrmacht), com sua inovadora tática da ‘guerra relâmpago’ (Blitzkrieg), depois de uma série de vitórias no Ocidente (Dinamarca, Noruega, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, França (1940), Iugoslávia e Grécia (início de 1941), imaginava por fim à URSS até o inverno de 41. Contudo, apesar de uma ‘largada’ avassaladora (uma semana após a invasão, 150.000 soldados soviéticos estavam mortos ou feridos), os nazistas se revelariam impotentes ao rigoroso frio do Leste e ao esforço nacional russo. Quatro anos depois, em 1945, quando o exército vermelho rolaria para o Oeste - repetindo em escala a crueldade alemã -, Hitler tombava para jamais levantar-se.

 

Demorado planejamento

A invasão fora planejada desde meados dos anos 30, constituindo-se em verdadeira guerra ideológica contrapondo dois regimes totalitários - o nazista de Berlim e o comunista de Moscou -, aponta o historiador Samuel Schneider, em seu livro ‘Documentos Nazistas - Crimes do Exército alemão na URSS’.

Para se ter uma ideia, em antecipação, os alemães prepararam unidades de colaboradores nacionalistas e oposicionistas ucranianos, lituanos, letões e bielorrussos. Hitler, alimentado pelo profundo ódio a comunistas e ‘judeus bolcheviques’ (algo que ficara latente já em seu livro ‘Mein Kampf’, escrito nos anos 20), instruiu seus comandantes militares a ultrapassar quaisquer limites de civilidade, pois, para o führer, derrotar Stalin era algo pessoal e que estabeleceria definitivamente a ‘Nova Ordem na Europa’.

 

Assassinatos em massa de judeus

Em relação aos judeus, o Yad Vahsem de Israel revela que, ao menos nas primeiras semanas da invasão soviética, mulheres e crianças eram baleadas ‘apenas’ de forma aleatória; o que mudaria radicalmente no começo de agosto, depois de visita do Führer à frente de batalha - episódio que abriu caminho para assassinatos sistemáticos e em massa. Mulheres e crianças judias passaram a ser definidas como “consumidores inúteis”, que não podiam contribuir para a força de trabalho.

No total, quatro divisões de operações especiais (Einsatzgruppen) - A, B, C e D - operavam atrás do corpo que participou da campanha contra a URSS. As unidades eram compostas por SS, policiais e auxiliares mobilizados pela população local. Os judeus, geralmente em grupos, eram forçados a se despir e entregar seus objetos de valor a uma curta distância de valas comuns, onde eram mortos. Há relatos, porém, de que muitos chegaram a ser enterrados vivos.

Em setembro de 1941, membros do Einsatzgruppe C assassinaram 33.771 judeus de Kiev durante dois dias em Babi Yar (local que também se tornaria palco para o extermínio em massa de Sinti e Roma (ciganos) e prisioneiros de guerra soviéticos). Ponar, uma floresta localizada a 10 km ao sul de Vilna, na Lituânia, igualmente tornou-se campo de matança para dezenas de milhares de judeus. De julho de 1941 a julho de 1944, mais de 70.000 pessoas, a grande maioria judeus, foram assassinadas em Ponar.

Desde novembro de 1941, judeus e outras vítimas do regime nazista (prisioneiros de guerra soviéticos, partidários, reféns e outros) foram assassinados na floresta de Blagovshchina, a sudeste de Minsk. Os primeiros a morrer foram cerca de 100.000 judeus do gueto de Minsk e, a partir de maio de 1942, judeus foram trazidos da Alemanha, Boêmia e Morávia, Polônia e Países Baixos e assassinados lá. Alguns foram mortos em vans a gás e o restante baleado. Todas as vítimas foram enterradas em covas previamente escavadas. De acordo com estimativas diferentes, entre 206.500 e meio milhão de pessoas foram assassinadas na área de Trostinets.

No final de 1941, os alemães perceberam que não derrotariam a União Soviética com sua Blitzkrieg. O esforço de guerra nazista exigiria força de trabalho que ajudasse na pavimentação de estradas, na limpeza de campos minados, na produção de portarias e equipamentos. Assim, foi tomada a decisão de deixar temporariamente prisioneiros judeus vivos em campos e guetos, a fim de empregá-los nestas ações. A ‘pausa’, contudo, foi breve. O extermínio foi retomado em toda a sua intensidade na primavera de 1942. No inverno de 1943, a maioria dos judeus da Bielorrússia e quase metade dos 2,5 milhões de judeus da Ucrânia já haviam sido assassinados.

 

‘Rasgando’ o pacto

A ação do III Reich, por mais ‘desenhada’ que pudesse estar, conforme diversos serviços de inteligência apontavam, pegou um Stalin aparentemente despreparado. Além disso, o ataque colocou por terra o famigerado pacto de não agressão assinado por Alemanha e URSS em agosto de 1939, poucos dias antes da invasão da Polônia (em 1o de setembro de 1939, ato que deu início à Segunda Guerra).

Sob o olhar do presente, o pacto Molotov-Ribentrop parece ter servido, à época de sua assinatura, para que ambos os lados ganhassem tempo; Hitler queria evitar uma guerra em duas frentes (eis que já estava decidido a conquistar a parte ocidental da Europa); e Stalin, que precisava organizar seu exército, debilitado pelo expurgo protagonizado pelo próprio ditador comunista no fim dos anos 30.

A verdade é que naquele período as ilusões eram muitas. Conforme descreve o New York Times Magazine, em edição de 1981, Hitler, para traçar sua estratégia, teria observado apenas a Rússia comunista e não a resiliência e patriotismo dos soviéticos, que haviam sobrevivido a czares e comissários, muitas vezes, tão sádicos quanto o alemão. A perspectiva de que muitos russos se uniriam ao Reich, com o tempo, mostrou-se superestimada pela liderança nazista.

Um dos erros mais graves foi o envio de esquadrões de execução de S.S. para eliminar funcionários do partido. Suas brutalidades, tanto quanto qualquer fator, voltaram as pessoas contra os invasores e reforçaram o movimento partidário.

Por fim, Hitler sustentou a ilusão de que o estado soviético já estava cambaleando e que cairia sob os golpes de martelo da Wehrmacht, o que o fez ignorar verdades militares inexoráveis, como as vastas distâncias da Rússia, os invernos precoces, a falta de estradas pavimentadas para suas tropas mecanizadas. "Temos apenas de chutar a porta e toda a estrutura podre desabará", dissera Adolf a seus generais. O raciocínio revelou-se equivocado - e fatal.

 

Stalingrado e Bagration

Dois momentos da invasão à União Soviética são tidos como emblemáticos e ajudam a explicar a derrota alemã, ao final da guerra, em maio de 1945. O primeiro deles foi o cerco a Stalingrado (a ‘cidade de Stalin’), iniciado em meados de agosto de 1942. Apesar de forte resistência, a Wehrmacht conseguiu ocupar a maior parte da cidade até meados de novembro. Ao mesmo tempo, o Exército Vermelho lançou um movimento de pinça – manobra militar na qual os flancos do exército oponente são atacados simultaneamente por duas frentes defensivas. Desta forma, já no final de novembro de 42, todo o 6º Exército alemão e partes do 4º Exército Panzer (unidade blindada) estavam cercados, totalizando 300 mil soldados, que, sob ordens de Hitler, tiveram de manter posições a todo custo. De forma parecida, Stalin havia emitido a ordem de "não retroceder um passo", em momento anterior.

Como nenhum lado deixou sua posição, formou-se um cerco no qual a situação se deteriorou rapidamente. Com o avanço Vermelho, cada vez menos suprimentos chegavam aos alemães. Durante o inverno, as temperaturas atingiram -30C. A prometida "ofensiva de resgate" falhou e a maioria dos soldados alemães cercados em Stalingrado não morreu em combate ou por ataques, mas de desnutrição e hipotermia.

No entanto, o comando alemão, com o general Paulus, seguiu comprometido com a rígida ordem de Hitler de "aguentar até o último" e, em 8 de janeiro, rejeitou uma proposta soviética de capitulação. Mas a lealdade tem seus limites. Quando o Exército Vermelho invadiu em 31 de janeiro o quartel-general montado no porão de uma loja de departamentos, Paulus foi feito prisioneiro, proibindo seus oficiais de cometerem suicídio, porque deveriam compartilhar o destino dos soldados comuns. Enquanto isso, o cerco a Stalingrado se rompia em dois – um no norte e outro no sul. No fim de janeiro de 43, os alemães desistiram no sul. Em 2 de fevereiro, também no norte. Os soldados foram capturados pelas Forças Armadas russas. Hitler ficou furioso quando descobriu. O balanço da batalha: mais de meio milhão de mortes no lado soviético, incluindo numerosos civis. Do lado alemão, as estimativas variam entre 150 e 250 mil soldados mortos. Dos quase 100 mil alemães que foram presos pela União Soviética, apenas aproximadamente seis mil sobreviventes retornaram à Alemanha em 1956, incluindo Paulus.

Outro momento fundamental do combate entre nazistas e comunistas no Leste se deu no verão de 1944. Liderado por Stalin, trata-se da Operação Bagration (nome dado em homenagem a general czarista que combateu Napoleão). Ação que mobilizou 1,2 milhão de soldados soviéticos, contudo, diferente do celebrado ‘Dia D’ (a invasão das tropas aliadas que liberou a França, e na sequência avançou pela Europa Ocidental), não é tão lembrada contemporaneamente. Realizada na Bielorrússia, a Bagration eliminou três vezes mais divisões do exército alemão do que a Operação Overlord, na Normandia. Nela, Hitler também exigiu que os alemães se mantivessem firmes até o último homem. Resultado: 28 das 38 divisões envolvidas foram aniquiladas, obrigando a Wehrmacht a recuar 700 quilómetros, ficando Minsk, libertada, para trás, Varsóvia ao alcance e Berlim na mira. As baixas alemãs ultrapassaram o meio milhão, incluindo 100 a 150 mil prisioneiros de guerra (muitos tiveram que desfilar por cidades russas). Há historiadores que falam de 800 mil baixas entre os combatentes da União Soviética.

Na Rússia de Putin - que clama reconhecimento internacional aos feitos do Exército Vermelho - filmes sobre a guerra, como ’T-34’, seguem com grande procura, servindo também para reforçar o orgulho patriótico.

No total, estima-se que 20 a 27 milhões de soviéticos morreram durante a Segunda Guerra Mundial, o número mais elevado entre todos os países beligerantes. E quatro em cada cinco russos tiveram um familiar diretamente envolvido no conflito, como Putin, cujo pai foi combatente.

 

Recado imperativo

Ao marcar o início do extermínio em massa dos judeus e outras minorias - além da mortes de milhões no campo de batalha, a invasão da URSS pelos alemães é um imperativo recado para que, no presente, a comunidade internacional fique atenta a movimentos supremacistas, racistas e que, a partir do populismo nacionalista (com doses de eugenismo) alimentem o ódio. Afinal, o que se viu nos vales e ravinas dos antigos estados soviéticos há 79 anos foi perpetrado por homens, muitos dos quais diziam apenas estar seguindo ordens.

 

Saiba mais:

# Os assassinatos em massa dos judeus na URSS antecederam, em janeiro de 1942, à realização da Conferência de Wannsee (subúrbio de Berlim). O encontro teve como finalidade coordenar a implementação da “Solução Final da Questão Judaica”.

 

# Alemanha acima de tudo - A decisão de Hitler de invadir a Rússia foi o produto das convicções e ilusões do megalomaníaco ditador. Desde o armistício de 1918, terminando a Primeira Guerra Mundial, ele estava convencido de que o bolchevismo havia colaborado para a derrota alemã. Além disso, Hitler sustentava que o Partido Comunista Alemão (seu principal adversário nas urnas), entregaria o entregaria o Reich a Moscou, e por isso precisava ser destruído.

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